Tem músicas com um sentido bem específico. Tem músicas de duplo sentido ou com mensagens ocultas no meio das estrofes. Tem as que ganham novo sentido quando cantadas por alguém do gênero oposto, as versões traduzidas que acabam se tornando algo completamente diferente do original (de maneira positiva ou nem tanto)...
E tem aquelas que ganham um valor novo quando alguém pira em cima do conteúdo original, e inventa toda uma mitologia nova para a canção. Essas são minhas preferidas.
Caso em questão: “Africa”, do grupo norte-americano Toto. Você certamente já deve ter ouvido em alguma rádio-de-espera por aí — ela é um “hit” incontestável dos anos 1980, afinal. Mas, só entre nós duas, você alguma vez prestou atenção sobre o que se trata a canção?
Pois bem: a música em si, de acordo com os autores, é sobre um cara que se apaixonou pelo continente africano após ver uma foto do Kilimanjaro, e também sobre uma pessoa que está indo encontrar a mulher que ama — e que está longe dele em uma missão como missionária.
O clipe — Deus abençoe os anos 1980 — é uma aventura com mistério, um pouco de ação, muitos looks questionáveis e uma bibliotecária chique, dirigido pelo mesmo criador dos clipes de “Billie Jean” (Michael Jackson) e “Take on Me” (A-ha), entre outros clássicos do setor. E, como deve ser, não tem nada a ver com a história da música.
“I know that I must do what's right / As sure as Kilimanjaro rises like Olympus above the Serengeti” — Bem, essa montanha majestosa é o Kilimanjaro citado na canção, para quem ainda não conhecia. O verso de “Africa” faz justiça àquilo que descreve. Foto de Antony Trivet via Pexels.
Bem, isso tudo é muito válido e muito interessante, mas para mim a versão final ficou a cargo de um camarada no Twitter que interpretou a história de “Africa” como sendo a busca de um lobisomem por uma cura para a maldição que o aflige.
É. Um lobisomem.
De todas as coisas nesse mundo, o cara viu um lobiosmem na música.
As “chuvas que abençoam” o continente seriam, na verdade, uma ótima maneira de escapar dos raios lunares que engatilham a transfiguração — e quando o narrador fala “eu busco curar o que está no fundo de meu corpo / assustado com esta coisa na qual me transformei” ("I seek to cure what's deep inside / frightened of this thing that I've become”), bem, dá para imaginar porque ele deixou para trás o seu grande amor para encontrar uma cura no meio do Parque Nacional do Serengeti.
Mas a moça está vindo atrás dele no voo das 12:30, porque a situação entre eles não ficou resolvida, e bem... O que acontece depois fica por conta do amigo ouvinte…
Duas coisas que aprendi pesquisando sobre o assunto: a primeira é que existe uma teoria de que “Serengeti” viria de uma palavra que significa “lugar infinito” no idioma maasai. Se é verdade, não sei, mas soa muito poético. A segunda é que “Africa” quase não foi lançada: a canção foi tão complexa para gravar que o grupo se encheu de trabalhar em cima da melodia, e por muito pouco não descartaram tudo… Mas “Africa” se tornou o único “número um” que o Toto teve na famosa parada da revista Billboard. Vejam vocês a ironia da coisa.
A jukebox da casa também recomenda: “Werewolves of London”, de Warren Zevon: uma hilária canção sobre lobisomens (com direito a uivos no refrão), ou seria uma canção sobre um gigolô correndo atrás de senhoras ricas? Jamais saberemos! ;)